sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Transportes

Sigo tranquilamente no meu veículo não menos ansiosa por chegar a casa, depois de um dia atribulado. A viagem decorre sem sobressaltos de maior, alguém que decide mudar de direcção sem usar o pisca, alguém que gosta de conduzir em ziguezague e estando parada no tráfego, vá-se lá perceber o que se passa mais à frente, ouço um ruído muito familiar. Dou uma espreitadela pelo retrovisor e eis que avisto uma motorizada que bem devagar e com todas as cautelas continuar a calcar estrada, indiferente ao trânsito de quatro rodas. Subitamente um sorriso e uma memória :)
Recuo alguns anos para me recordar de quando, bem pequena, saía de casa pelas 7h30 da manhã para ser levada pelo pai até à creche, que ficava a 8km de distância. Bem pequena, a minha mãe equipava-me com um casaco bem quentinho e um gorro que me tapava as orelhitas. Enquanto isso, o meu pai dava ao pedal, e metia a motorizada a trabalhar. Estou equipadinha e o pai agarra-me, levanta-me em peso e coloca-me em frente dele :) Para quem nunca andou numa motorizada, isto significa que eu fico sentada em cima do depósito. Hoje, tal seria completamente impossível! Impossível, porque a criança não pode ser submetida aos temperamentos da senhora dona meteorologia. Impossível, porque não tem qualquer segurança, não há cintos, ou cadeirinhas, mas acima de tudo não há capacete!
O que é facto é que o pai, depois de colocar um saco de sarapilheira em cima do depósito e de me colocar em posição, metia a mudança e lá íamos nós. Que felicidade!!! :) Aquele ventinho matinal a bater-me na fronha, mas melhor de tudo era ir ali com o pai, só nós dois a atravessar campos e pinhais até chegar ao destino final. Engraçado é lembrar-me das manhãs com todos os pormenores, mas do regresso a casa, poucas são as memórias, digo da viagem em si, porque trazia sempre novidades, quanto mais não fosse, porque tinha sido colocada, mais uma vez de castigo na despensa, porque tinha mandado uma canelada a algum, ou porque tinha feito outro comer areia, ou ainda porque me recusava a dormir a sesta e insistia em ser acompanhada por alguém tão ou mais rebelde. De qualquer modo, do que me lembro destas idas na velhinha Macal, são todas boas memórias:) Acreditem que quando começou o Inverno, a viagem era mesmo fresquinha, arre!! E a banda sonora daquela máquina? Não se ouvia mais nada, mas não deixava de ser o máximo :) Tinha uma vista privilegiada, como era Inverno tinha uma espécie de pára-brisas, o que cortava um pouco o vento e como bónus segurava-me no volante :) Ainda hoje quando tenho o prazer de andar de motorizada, coisa muita rara, porque já ninguém anda montado em duas rodas, ando sempre como pendura, mas sempre com a cabecita ao lado para sentir a força do vento a bater-me na cara. Para terem uma ideia mais clara, imaginem um cão, num carro, com a cabeça do lado de fora. Sim, é mesmo isso, eles é que a sabem toda. Concordo que os moscos que entram pela boca não são muito agradáveis, por isso é melhor ficar deslumbrado para dentro, psicologicamente, e não permitir que o nosso cérebro dê ordem para abrir a boca.
Enquanto teclo, viajo mais uns anitos e lembro-me de outro meio de transporte: o carro de vacas. Era a loucura! :)
Aqui já tinha a companhia do mano e recordo-me que muitas vezes desafiávamos o nosso avô, para que ele permitisse que fossemos na cabeça do carro. Infelizmente ele não ía nessa e obrigava-nos a recuar e, caso não obedecêssemos, perdíamos o direito ao luxo que era irmos no carro da vaca e íamos a pé ao lado dele, o que era deveras complicado porque ainda se faziam uns quilómetros.
Era também giríssimo saltar do carro da vaca em andamento e depois correr atrás e voltar a saltar para dentro do carro com ele em andamento. À vezes caíamos, esfolávamos o cromado, mas lá diz o ditado: “Do chão para baixo não passas!” E não passávamos, só tínhamos mais cuidado para não cair em cima de raízes, que isso doía como cornos!
O nosso “carro da vaca” era único :) Se num momento era uma carruagem de reis e rainhas, dos quais eu e o mano éramos os legítimos proprietários, logo em seguida era o nosso local de trabalho, era a nossa fortaleza e até mesmo a nossa casa! Este era um verdadeiro palco, facilmente adaptável às diversas funcionalidades que decidíamos atribuir-lhe.
O avô fingia que não, mas ele também se divertia com as nossas brincadeiras. Mas não eram só jogos! Sabíamos que chegados ao local alguma tarefa nos era incumbida: ajudar a juntar o mato, apanhar alguns gravelhos, ajudar a meter a palha no carro, tudo claro, à dimensão dos seres pequeninos que éramos. Mas isso deixava-nos todos inchados de orgulho! Éramos importantes, pois os grandes aceitavam a nossa ajuda e contribuíamos para eles não se cansarem tanto. Além disso era uma excelente forma de diminuir o castigo quando descobrissem uma ou outra traquinice que havíamos feito :P
Sou um pouco saudosista, pelo menos das coisas que me davam imenso prazer, e, quer das viagens na velhinha Macal, agora esquecida na arrecadação, às viagens de carro de vaca, palco principal das nossas fantasias, há momentos que vale a pena recordar :)

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