terça-feira, 31 de agosto de 2010

Ultramar

Nos últimos dias tem-se falado da Guerra Colonial ou Guerra do Ultramar por causa de afirmações proferidas por Lobo Antunes. Não é sobre isso que quero falar, até porque as pessoas têm o direito a ter a sua opinião sobre determinado assunto, uma visão particular sobre a mesma, até porque há muitas vivências e tão dispares dos homens/ rapazes que estiveram nas ex-colónias, a defender algo quem nem eles próprios sabiam ou percebiam o que era, porque a guerra, seja ela qual for ou onde for é sempre irracional, sempre injustificável, independentemente das desculpas dadas por quem quer que seja.
Na sequência do último post sobre a educação em Portugal, surpreende-me que apenas 36 anos após a revolução dos cravos, leia-se, após o 25 de Abril de 1974, há jovens neste país que simplesmente não sabem o que é o 25 de Abril, porque aconteceu, como se chegou a esta revolução, quem planeou e o que dela resultou. Como consequência também não sabem o que foi a Guerra Colonial ou do Ultramar, quantos morreram e ainda hoje morrem. Há quem acredite que num belo dia os locais decidiram expulsar os portugueses do seu território. Confronto bélico? Não? Isso é impensável, tomaram uma decisão e mandaram os portugueses embora. Mas houve confronto bélico, homens, mulheres e crianças, dos dois lados das trincheiras que levaram com balas em cima, morreram queimados, foram degolados, ficaram loucos, perderam casas, terras, roupas, vidas. Muitos refugiaram-se em Portugal, ou no que à época era chamada a Metrópole, outros ficaram, não conseguiram fugir ou não quiseram. Muitos foram deixados à sua sorte, seja de um lado ou do outro, porque a guerra não tem lados, quem sofre são sempre os mesmos. E o estado português continuou a mandar os jovens portugueses. Não a fina flor como acontecia na época da monarquia, mas todos aqueles que não podiam pagar para “livrar” à tropa e consequentemente à guerra. Como troca o que receberam? Muitos morreram, muitos perderam braços, pernas, olhos, ficaram presos a cadeiras de rodas, perderam o tino, mas nunca, nunca, jamais receberam o respeito de um país que os forçou a ir para uma guerra que não era a sua, que os obrigou a perder a sua juventude, que lhes tirou os amigos, os familiares e que agora nem olha para eles, não os reconhece, de tal modo que a juventude já nem sabe o que aconteceu em Portugal, Angola, Moçambique e Guiné.
Mas aconteceu, ainda há muitos homens que hoje, para além das marcas físicas, ainda acordam assustados porque o barulho de um foguete de uma qualquer festa os transporta para o local onde estavam aquartelados, recorda-os o som das bombas lançadas e regressam ao inferno. Há muitas famílias que continuam nas décadas de 60 ou 70 do século XX, porque os seus familiares não conseguem superar o que viveram, porque nunca tiveram apoio para superarem a guerra, porque nunca ninguém os levou a sério, porque sempre foram simples carne para canhão, não pessoas, não seres humanos que não queriam estar ali e ter de “matar ou morrer” como diz a canção. Ninguém pensa na ansiedade, na angústia, no horror, no medo, porque de um momento para o outro são atacados, envenenam-lhes a água, bombardeiam as casernas onde estão, queimam a zona em redor. E este é o lado dos portugueses, porque do lado de quem se queria libertar do jugo português também se passou o mesmo, porque também eles eram e são pessoas, humanos e também eles sofreram e sofrem. Oficialmente a guerra do Ultramar terminou em 1974, mas a realidade é que em 2010 ainda há muitos homens e respectivas famílias que em Portugal continuam a batalhar nessa mesma guerra e ninguém os ouve, ninguém os vê e a memória colectiva, vai apagando-os de forma despreocupada, porque já passou e importante são os espectáculos de pseudo-circo patrocinados pela política portuguesa, a mesma que mandou milhares de homens para um conflito bélico e depois esqueceu-se da sua existência.

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